quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

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UM CORPO AGITADO

O silêncio deste préstito fúnebre azeda-me. Definitivamente, já não dependo de mim. Desencaminhei a minha liberdade repetidamente, desprezando-a. Não vale a pena, nesta hora, o grito arrependido do abafado lamento. Ainda assim, a mudez dos marchantes teima em me perseguir, confirmando a cruciante subordinação. Detido no ataúde cerimonial, sinto bem o castigo merecido de não ter feito, afinal, um pouco mais. Pela minha liberdade, acompanhando outros nessa humana verdade.Por isso, sobre a pedra que me oculta abandono o seguinte epitáfio - “Aqui jaz um virtuoso e nobre medroso. Sacrificou a sua vida a ofertar bravura aos outros. Muitos deles, fracos e pobres de espírito”.

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sábado, 24 de dezembro de 2016

UM TEMPO, O TEMPO DE NATAL

O tempo de Natal é um tempo plural que amadurece, tornando-se sempre, ao longo desse tempo diverso, uma inefável e, por vezes, insondável vivência. Da chaminé adornada pelos ansiosos sapatinhos, aos dias de hoje marcados pelas memórias da virtuosa credulidade. Permanecem, nesta caminhada, presenças consoladoras, e insistentes ausências, que inteiramente nos acarinham. Afinal, o tempo de Natal releva a espiritualidade que acontece com esse fatal desenhar da vida. Um humano e esquinado traçado de dor e de felicidade, esboçado pelo incessante afeto que alenta a Vida e tempera a vontade de a continuar a viver. É tempo de Natal.

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quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

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O LEGADO DA INDIGNIDADE

A significante evolução das condições de vida, nas últimas décadas, é inegável. A narrativa histórica e social assim o reconhece e a memória dos mais provectos tal confirma. Agora, concordar esta corroboração com o desígnio ontológico da condição humana respalda em si um paralático equívoco. A lógica mercantilizada do desenvolvimento vem cavando um trágico fosso humano e social feito de desigualdades, injustiças e precariedades. O Trabalho disso se ressente e a Cidadania assim se inabilita. Isto posto, trabalhar a condição humana exige o estímulo do humano no Homem e, para tal, importa cuidar da qualidade das políticas e da democracia. Eis, na minha leitura, o essencial da advertência, aliás otimista, deixada por Carvalho da Silva na sua Conferência “O trabalho, A solidariedade Intergeracional, O tempo de reforma”, a 6 de dezembro, nas Caldas da Rainha (Delegação do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa).

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quarta-feira, 30 de novembro de 2016

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RESGATAR A LIBERDADE DESSA VONTADE QUE NÃO NOS PERTENCE

(Apresentação que fiz do livro, UTOPIA, PARA O AMANHÃ, de Francisco Coelho Madureira, ontem, na Livraria Letra Livre/Lisboa/Bairro Alto)

Poderia, nesta circunstância embaraçosa, fazer aquele número de proferir umas breves palavras de improviso, com base num texto previamente escrito, seguramente bem arrumado nesta minha já apoucada memória e, assim, fingir um talento que realmente não disponho. No entanto, certo de que não se deixariam enganar, e muito menos nessa mentira cairia o meu amigo Xico Madureira, optei por este escrito – que vou acompanhar, confesso, por intranquilidade minha – procurando, prometo, proteger-vos da desagradável monotonia, bem como, e tanto quanto possível, fintar o lado enfastiante do formalismo.

Experimentando eu, uma habitual comodidade quando abrigado nesse mundo prosaico da linguagem do quotidiano, no instante do convite para aqui estar presente nesta função de me pronunciar sobre a obra, como é fácil de entender, senti-me na verdade desaconchegado quando pressenti a poesia a aproximar-se de mim, imprudentemente a me apadrinhar e, no limite, a me distinguir – evidentemente por amizade – para uma árdua incumbência de apresentação do trabalho, sublime e poético, como é o caso desta UTOPIA, PARA O AMANHÃ.

Sendo o ensaio, e a prosa por registo, o meu habitat – embora reconhecendo que a prosa também possa ser poética – estou seguro, contudo, que a poesia difundida pelo poema (versificado ou não) constitui uma forma superior da atividade escrita, já que ela se revela como criadora e produtora da palavra de invulgar efeito expressivo. Assim sendo, e sobretudo por estas mesmas razões, sinto que a responsabilidade daí vinda me inquieta e ameaça quando, fora daquele cenário da informalidade natural do coloquial, tenho de me pronunciar sobre ela, a poesia.

Não ousando aprofundar o tópico, penso que no texto literário vários aspetos se podem colocar, nomeadamente a sua mensagem/conteúdo e a sua peculiar expressão, aliás dimensões que presumivelmente são sempre escutadas ou lidas, e interpretadas, na busca de um sentido conjunto que se vai explorando no interior da inevitável relação entre elas, procurando assim desvendar o seu sentido no amplo horizonte do olhar do autor sobre o mundo, a vida e o homem que, na sua completa escrita, se esforça por unificar. Sendo certo que a expressividade é uma condição fundamental da arte e da literatura e, como tal, da poesia, e sendo eu um profano nestas acuradas matérias, deixar-me-ei então levar por um acomodado sentimento onde o afeto – e não a reconhecida falha de erudição – irá comigo viajar no percurso que então aí vem.

Começo por dizer que o meu amigo – e poeta – Xico Madureira é, para mim, uma daquelas pessoas que nos traz sempre, com a sua presença, uma boa disposição, assistida por um permanente e elegante humor, mesmo quando arrisca no seu acertado sentido jocoso, inscrevendo nele a sabedoria subtil da sua inteligente mordacidade ou, bem mais difícil ainda, quando enfarpela habilmente a sua causticidade numa inesperada precaução servida com requinte e galanteio. Mas, o que importa aqui verdadeiramente sublinhar é que esta sua peculiar leveza radica, não só numa incomum experiência humana, como numa rara e valiosa experiência do humano, ambas enlaçadas nesse superior desígnio de vida e grandeza existencial. Aliás, é desse lugar alcançado que se ergue essa ideia que os poetas não desistem de evocar, ou seja, a ideia de que a vida é contraditória, embora jamais deixando de reconhecer e de buscar, como o Xico Madureira muito bem assegura, a inabalável dialética da unidade que a ordena.

Ao longo deste texto poético, o Xico Madureira coloca-se nesse preciso e valoroso ângulo que lhe permite avivar esse enfoque, nele generosa e teimosamente reiterado, de que este real não satisfaz, provavelmente em tempo algum ele será completo, mas que ela, a realidade, não pode é ser aceite com tanta falta, sobretudo de justiça, dignidade e fraternidade. Por isso, regressa ao passado e procura salvá-lo trazendo até nós a voz magoada das desilusões, das injustiças e dos desesperos. Melhor dizendo, o Xico Madureira dá-nos a escutar essa constante voz silenciada ao longo do tempo e a todo momento esquecida pela perfídia e pela mendacidade dos usurpadores. Resgata assim, de uma forma admirável, esse sentir oculto dos vencidos, lembrando – com o seu gesto poético – que tudo o que aconteceu não pode ser considerado perdido para a história e, consequentemente, para o seu impulso futuro. Fá-lo naturalmente com emoção, uma emoção que percebemos ofendida – por que arreigada na inteireza das suas convicções – e que, percorrendo ela, a emoção, todo o seu texto com tonalidades diversas e oscilantes, assim vai o Xico progressivamente esboçando a sua, a nossa utopia.

O esquecimento é, na verdade sempre foi, uma forma de burlar a história. Esquecendo não se faz justiça aos que lutaram pelo acerto do seu movimento. Esquecendo, faz-se do desacerto a alegoria única e certa da história. Porém, ao invés, lembrando, rememorando o que não pode ser esquecido, abre-se as comportas da memória, salvam-se verdades abandonadas e aviva-se a chama da imaginação. Este texto do Xico Madureira, hoje aqui presente e apresentado, sendo poesia, está para além da mera representação da realidade. Este texto, esta poesia – como queiram – acima de tudo, torna-se um apelo à reflexão sobre a realidade, projetando-a no tempo desse futuro utópico que saberá merecer a liberdade que cuidará da dignidade da condição humana, como tão bem deixa transparecer o Xico Madureira neste seu “poema para o amanhã”.

A nossa história, a nossa humana história, é feita através dessa imemorial e indeclinável prática que se batiza de vida. Porém, é neste viver, nesta materialidade da vida, que se engenha e se arruma modos distintos de consciência. Deste jeito, não é uma qualquer e prévia consciência que sentencia uma qualquer história. Quando a lembramos e a evocamos buscamos a nossa verdade, por vezes inescrutável e desafiante, que nos amarra, consciencializa e, igualmente, nos inquieta e inspira. Desejavelmente com a coragem e vontade de a percorrer, com a singeleza de aceitar essa caminhada como um recomeço, ou melhor, um incessante e continuado recomeço, como depreendo da mensagem que neste livro nos é transmitida.

Uma consciência crítica predispõe-nos, assim, para um incessante e continuado recomeço. Proporciona-nos igualmente um saber analítico e crítico que nos faculta meios para escolher a todo o momento de que lado da trincheira nos devemos colocar. Mesmo que as vitórias se vislumbrem remotas, quiçá improváveis, sobrevém um sentimento de verticalidade que inventa forças e energias capazes de um fecundo cultivo nesse fértil terreno da resistência, da revolta e da insubmissão. As vigilantes e desveladas memórias anteriormente referidas não se deixam atraiçoar, de modo fácil, pelas ideologias sedutoras do calculável, pela uniformização de perigosos bons sensos e, muito menos, pela liturgia política dos lugares comuns desta sociedade que alguém totalmente mercantilizou.

Assim sendo, resta-me agradecer ao Xico Madureira por me ter trazido de volta algum entusiasmo adormecido. Como tão bem ele nos interroga nessa peculiar estrofe:

Alguém quererá ficar ausente de si próprio na hora de ir e conseguir a liberdade tão urgente? Ficará indiferente ao triunfo do resistir?

Termino. Obrigado Xico, pelas tuas palavras e pelas mensagens que delas irrompem. Por mim, e para mim, não as guardarei. Delas me servirei para libertar essa vontade que não nos pertence, a bem de uma condição humana que ofereça à fraternidade a hora de desenhar o futuro da tua, nossa UTOPIA.

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quinta-feira, 17 de novembro de 2016

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ESCUTAR O CORAÇÃO DO VAZIO

Que coração é este? Decerto, um coração que ilumina o vazio na recusa de se consolidar no nada. Um coração que dá vida a esse vazio que se rebela, e revela, ante uma arredia existência. Afinal de contas, um coração que desperta a espessura de um vigor que ainda resta e que, assim sendo, traz consigo incitação e existência. Na sua obstinada verdade, um coração que faz com que esse experimentado e preciso vazio se torne, tão-só, um momento valoroso, síntese de muitos outros, quiçá dolorosos e magoados, e lhe oferece um sentido capaz de presença e, sobremodo, de vontade de resistir. Aliás, momento esse que vale pela negação do falso nada e se dispõe ao alívio, angustiado e decadente, desse desvio sem rosto. Um coração, em suma, que comunica instruído por vigorosas e vigilantes memórias e nos faz permanecer inteiros, provando que o vazio e o nada não são coisas semelhantes. Assim nos ensina a experiência dura, embora tranquila, desse vazio aclarado, capaz de nos exibir a vida sobrante que entrementes se esvaiu. Um coração, enfim, que nos resgata o nosso próprio rosto, nesta hora, sagaz e recompensado.

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quarta-feira, 16 de novembro de 2016

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A FORTALEZA, 40 ANOS DE PRISÃO POLÍTICA

Enlaçada em factos, lembranças e esquecimentos, veracidades e falsificações, bem como em silêncios que a desengrandecem, a História constrói-se, em todo o caso, sempre incerta. Persistentemente entretecida pelos fios comprometedores da memória (individual e coletiva), as narrativas da história, fazem-se de maculadas impurezas ou (mesmo) de sujidades, sobretudo pelos poderes triunfantes dos poderosos e afins. Daí, um outro facto, ou seja, um consequente futuro que se vai mostrando nessa disputa desproporcionada da “verdade” das narrações.

Ainda que assim seja, porventura sempre incerta a história, ao abordar-se as prisões políticas e as suas memórias, o esquecimento ocupado de silêncios ou vazado em subterfúgios, em tempo algum, poderá espaldear-se em quaisquer margens que admitam burlar a História. Rememorar aqueles que lutaram pela nossa Liberdade, que de miseráveis sofreram facínoras torturas, e deles foram atormentados e assassinados, é recuperar o que nunca pode ser esquecido, o que em tempo nenhum deve, por decência, ser calado na voz da História. O contrário, mais do que uma desmedida injustiça, e que a todos rebaixa, o que carrega esse avesso é, tão-somente, a nossa vergonha coletiva.

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domingo, 13 de novembro de 2016

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A (DES)ESPERANÇA QUE SE ABRIGA EM NOVAS MENTIRAS

A desesperança nem sempre vive desacompanhada. Quando só, apenas o recôndito silêncio a assiste. Na circunstância possível de se revelar, essa descrença, amiúde, elege o azedume. Daí, mais do que um tempo exato, o momento torna-se um adensado enfurecido de beata repulsa. Um impulsivo absoluto que enturva equilíbrios e enjeita dialéticas. Nos abrumados sonhos então recriados, oferta-se destinos improváveis. Ainda assim, acasos que sorriem perante a possível inanidade. O prometedor ontológico dos populismos, sagaz abecê das novas mentiras. Trump não encenou, apenas mostrou que a História se pode voltar a fazer.

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quarta-feira, 9 de novembro de 2016

CITAÇÃO

Como a teologia, a metafísica tem sido acusada de às dificuldades que não sabe resolver disfarçá-las pelo prestígio das frases pomposas, de Sampaio Bruno em A Ideia de Deus.

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terça-feira, 1 de novembro de 2016

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UMA EXALTAÇÃO AO “NÃO” TRANSGRESSIVO

Como diz o poeta, há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz Não…

Valter Hugo Mãe (VHM) decidiu no seu mais recente livro, Homens imprudentemente Poéticos, ausentar do seu escrito a palavra não. De acordo com o texto de João Céu e Silva[1], dado que o cenário do romance é passado no Japão, VHM esforça-se em respeitar a impropriedade localizada da palavra. Deste modo, evita correr o risco de falsear a relação cerimoniosa que os japoneses correntemente estabelecem uns com os outros. Igualmente, VHM lembra, em axiomático contraste, que na nossa cultura discursiva o não parece inevitável, alongando-se amiúde o seu uso aos limites do diálogo.

Acolhendo eu esta contumácia, quiçá deveras espalhada, diria que ela não se me apresenta, em si, como uma fraqueza. Na minha opinião, este meu arrastado e desafiado sentir aconselha-me a um entendimento diverso. O não, na sua variedade de usos e significações, obriga-nos a um duro e exigente exercício de liberdade e inteligência. Sobretudo, neste tempo de notório trânsito de uma conformação social disciplinante para uma outra de frívola permissividade. Em especial, no tempo presente onde a vigilância, apesar de falsamente ausente, estabelece com vigor e arteirice a rude diligência da sua industriosa destinação.

Vive-se uma época de uma turbulência feita de convergências diversas. Ainda assim, apesar das diferenças, estreitamente escoradas nos interesses de uma ideologia capitalista homicida e nas suas idiossincrasias alienantes. Não se me mostra, pois, ousado sustentar que os múltiplos sentidos do não se entretecem, numa (des)ordem crescente e mistificadora, de armadilhas compulsivas e/ou de vínculos moralistas, notadamente geradoras de desorientadas e doentias euritmias. Como me aparenta inegável, feitas estas de muitos e distintos nãos. Alguns destes silenciosos e enraizados em aberrantes heranças ou em abstrações obsoletas.

Assim sendo, importa alcançar onde está afinal o Não aos nãos que destroem a vida e a sua dignidade. Ao limitá-la e ao desvirtuá-la, esses nãos desfazem a própria vida e, mais do que isso, implacavelmente nulificam a dignidade do ser humano. A liberdade, sendo uma construção humana, os seus alicerces dever-se-ão assentar nos caboucos de uma primordial descrença. Citando David Cooper[2], a descrença na inevitabilidade das coisas que nos oprimem. Postulo, então, que é dessa descrença que germina o Não que nega os nãos que assistem à sujeição, à injustiça e à arbitrariedade. Ou seja, o Não transgressivo de resistência à opressão e à dominação. 


[1] No Diário de Notícias de 31 de outubro de 2016.

[2] Em ALINGUAGEM DA LOUCURA.

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sábado, 29 de outubro de 2016

A JORNA DO DITO BANQUEIRO ANARQUISTA

O draconiano mercado tudo trafica, tudo subordina, e até mesmo o absurdo se transaciona. Torna-se casa de câmbio, lugar súpero no qual se opera o valor de troca dos homens. Muitos, diminuídos a ser valor produtivo e manadeiros de uma mais-valia extraível. Outros, igualmente numerosos, contas feitas, nada sendo, acrescentam uma maçada afinal utilizável. Neste pronunciado esboço, remanescem uns poucos. Gente providencial e qualificada que, agadanhando o frutuoso devido, com competência reconhecida, orientam a arrumação acertada dos demais merecimentos. Não só materiais como, principalmente, os simbólicos.

Daí, ser neste espaço subjetivo que a tagarelice de uma linhagem conceptual e argumentativa situa as suas necessitantes e pautadas arquiteturas que mantêm, reforçam e legitimam a batota social e económica. Ou, melhor dizendo, encenam as vantajosas patranhas que aclimam as gentes às obscenas desigualdades que perpetuam uma estirpe de moralidade, em que o pecado da injusta arbitrariedade, não só é absolvido, como se apresenta curandeiro. Conforme se comprova, discorrendo pela via láctea recortada pelas altas nuvens do rigor, da isenção e da juridicidade. Chover no molhado é, certamente, desperdício. Isto dito, passemos então à frente…

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